O mito de Aruanã e a criação dos Karajá


   Aruanã era um peixe que vivia nas profundezas do rio Araguaia. De vez em quando subia às margens do grande rio, e contemplava a vida humana. Seu ser aquático enchia-se de tristeza, pois pensava que a verdadeira felicidade estava no cheiro do ar, na beleza da terra. Sentia-se perdido e infeliz em viver nas águas e ser um peixe. Sonhava um dia tornar-se homem e correr pela terra seca.
   Na festa do Boto, o senhor das águas, realizada nas profundezas do Araguaia, todos os seres aquáticos participavam felizes. Lá estavam a bela Iara e a sua irmã Jururá-Açú, deusa das chuvas, e todos os peixes e habitantes do grande rio, numa alegria radiante. Só Aruanã mostrava-se infeliz, a sentir-se estranho àquele mundo, a lamentar ter nascido no rio e jamais poder respirar o ar.
   Ao sair da festa do Boto, Aruanã nadou, nadou, subindo sempre na direção da superfície das águas. Num ímpeto de coragem e determinação em sentir o aquecimento esplêndido da força do Sol sobre a Terra, ele pôs a cabeça de fora das águas. Quase a sufocar com o ar, falou com todas as suas forças de peixe sonhador em busca da felicidade:
   -Grande Tupã, senhor da vida e da natureza, na água nasci, mas nela não quero morrer. Se peixe é o meu corpo, meu coração é humano. Tira-me das águas que me faz infeliz e sem sentido, dá-me o ar como forma de pulsar e a condição de homem como realizador da vida.
   As palavras de Aruanã saíram tão veementes, que Tupã percebeu o verdadeiro destino do valente peixe e a essência da sua alma. Compadecido, o senhor das matas desceu às profundezas do rio Araguaia, arrebatando de lá o infeliz peixe. Voou com Aruanã, que não podendo respirar, debatia-se no ar. Por fim, Tupã deixou-o no campo, sob os raios intensos do Sol e das brisas suaves dos ventos.
   Aruanã debatia-se sobre a relva, pensando que iria sufocar. Não amaldiçoou Tupã, pelo contrário, mesmo sem conseguir respirar o ar da Terra, agradeceu por aquele momento final, iria morrer longe das águas, como sempre sonhara. Fez um louvor ao deus e cerrou os olhos, à espera da morte e da felicidade alcançada.
   Comovido, Tupã iniciou a metamorfose do peixe. Em vez da morte, Aruanã viu as escamas transformadas em pele, revestida de pelos suaves que a brisa contornava em desenhos; braços e pernas musculosas davam-lhe o aspecto viril. O ar finalmente chegou-lhe aos pulmões. Sentiu o cheiro da Terra. Olhou emocionado para o seu corpo e sorriu feliz, já não era um peixe, e sim um homem, forte e belo.
  -Provaste que tens um coração grandioso e valente. – Disse-lhe Tupã. – Serás um grande guerreiro entre os homens; pai da mais sábia das tribos. Aruanã peixe foste, Aruanãs hás de te chamar como homem. Vá, cumpra o teu destino de homem guerreiro!
   Para saldar o belo e jovem Aruanãs, as Parajás, entidades da justiça das matas, vieram e prestaram honras ao guerreiro. Deram a ele uma tribo e as mais belas mulheres. Unindo-se às mulheres, o jovem guerreiro gerou filhos e filhas, dando origem aos valentes Carajás, que formaram uma tribo de índios valentes a viver às margens do rio Araguaia. Todos os anos, por ocasião da Lua cheia, os Carajás realizam o Ritual do Aruanã, prestando, através da dança e do canto, a homenagem justa ao pai da nação Karajá.
 
 
  Um pouco mais sobre a comemoração da festa de Aruanã:
 

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