Da-ño're: perfomance coletiva de canto e dança. Revista Manchete |
Os Xavante se autodenominam A’uwe e de acordo com uma
estimativa feita pela FUNASA em 2010 são em torno de 15.315 pessoas. Vivem na
região da Serra do Roncador e por diversos vales no leste mato-grossense, uma
região que vem sofrendo danos irreversíveis pela agropecuária extensiva que vem
sendo feita desde a década de 60. Junto com os Xerente,
formam um grupo antropologicamente conhecido como Acuen, que por sua vez
pertence à família Jê do tronco linguístico Macro-Jê. No período colonial
várias outras designações foram dadas para os Acuen, como Xacriabá e Acroá,
isso se deu ao fato dos não-índios tentarem distinguir os sub grupos que
dominavam uma ampla região do centro-oeste brasileiro. Para os viajantes os
Acuen eram conhecido como Tapuias diferentemente dos grupos do tronco
linguístico Tupi, que eram chamados de Tamoios.
Muitas pessoas confundem os Xavantes com os Oti-Xavante e os
Ofaié-Xavante, com os quais não compartilham nenhum tipo de característica em
comum, acreditam que o Xavante vem do fato dos não-índios tentarem distinguir
esse sub grupo e, relação ao Xerente, dos quais tinha se separado a muitas
décadas atrás. Os A’uwe contemporâneos aceitaram a designação Xavante ao lidar
com os homens brancos, mas existem os quais preferem ser chamados de A’uwe ou A’uwe Uptabi (gente de verdade). A língua e
tradições são mantidas mesmo após o contato com o home branco, agora com outros
artifícios como a escola, em relação ao nosso idioma, muitos homens entendem
bem o português, o que não é o caso das crianças, mulheres e idosos.
Histórico de Contato
Museu do Índio. Foto: Lamonica/Museu do Índio, 1951 |
Os primeiros contatos foram
feitos por volta do início do século 18, assim que as minas de ouro foram
descobertas e diversos mineradores foram para a região Goiás. As tribos daquela
localidade reagiram de maneiras diferentes, algumas foram a guerra, outras
preferiram ficar em paz, mas qual seja a reação os efeitos daquela chegada
foram devastadores. Muitos índios que ficaram em assentamentos patrocinados
pelo governo morreram decorrente das doenças epidemiológicas que adquiriram com
os forasteiros. Mais para o final do
século 18 os antepassados dos xavante cruzaram o rio Araguaia, foi nesse
momento que houve a separação definitiva dos Xerente, algumas lendas são
contadas em relação a esse fato, para justificar o motivo dos Xerente não terem
atravessado o rio. Uma delas basicamente diz que após os Xavante atravessarem,
os Xerente tentaram mas um grande boto saiu de dentro do rio e amedrontou os
índios, fazendo assim com que eles ficassem para trás. Após cruzarem o
Araguaia, os Xavante se estabeleceram no que hoje conhecemos como estado de
Mato Grosso e até por volta do século 20 não tiveram nenhum problema com a
população não-indígena, as pressões voltaram quando no governo Vargas foi feita
a “Marcha rumo ao Oeste”, nessa mesma época os Xavante foram os primeiros a se
tornarem famosos nos meios de mídia em massa e acabaram se tornando o símbolo
de índio heroico que foi “amansado” pelo governo e faria parte da estrutura do
país, tanto social como econômica, toda essa grande artimanha foi documentada
com imenso número de jornalistas e fotógrafos, tanto que após quebrada a
resistência de fato uma grande comemoração foi feita na mídia. O contato
completo foi estabelecido na década de 60, quando todos os grupos já mantinham
contato pacífico, seja por necessidade ou por vontade própria. Nessa mesma
década de 60 foi quando começaram os abusos governamentais, os Xavante viram
terras que por séculos foram suas sendo tomadas para a produção agrícola e pelo
capitalismo governamental, hoje já foram constatadas várias fraudes nesse
processo de ocupação das terras, um exemplo é mapas que foram modificados para
darem a entender que não haviam índios em determinadas localidades. O final da
década de 70 foi marcada pela tentativa de recuperação das terras roubadas e
demarcação das que ainda estavam em posse dos Xavante, foi uma época de muita
violência e conflito com colonos e agropecuários que já haviam estabelecidos
assentamentos e até cidades nos territórios indígenas. Nesse conflito
enfrentaram adversários de peso, com dinheiro e conhecimento, mas a astúcia dos
Xavante fizeram com que recuperassem parte das terras e aumentassem a
demarcação de outras que já tinham sido estabelecidas, mas isso não mudou o
fato de não-indígenas residirem nessas terras e os conflitos continuaram por
muito tempo, alguns persistem ainda hoje.
A economia e o meio ambiente
A região habitava por eles hoje em dia é bem
interessante, se forma na combinação do cerrado com a mata de galeria e é
demarcada muito bem por duas estações no ano, a época da seca (inverno) e a de
chuva (verão), a agricultura aqui representa um papel secundário na economia,
sendo que o milho é o alimento que tem maior destaque na cultura Xavante, tanto
nos rituais como na cosmologia é muito utilizado, diferente de outros grupos
que já vimos, as roças são individuais, ou seja, cada família tem o seu plantio,
algo que é comum é o fato do plantio e colheita serem feitos pelas mulheres
enquanto o preparo da roça para o plantio é feito pelos homens. A dieta deles é
baseada no que as mulheres conseguem colher. Hoje em dia a coleta é feita por
alimentos oferecidos pelos homens: como carne e peixe, antes porém, esses
alimentos eram conquistados através de excursões que poderiam demorar meses até
encontrarem os recursos na floresta que necessitavam. Por esse padrão de
excursão, o território necessário para a sobrevivência dos Xavante deveria ser
grande, nesse período longe da aldeia, eram feitos assentamentos que eram
praticamente a miniatura da aldeia, hoje em dia esse tipo de excursão não é
feito mais e quando fazem não passa muito de duas noites, pois o território é
imensamente menor e a caça inexistente.
Para os homens a caça é algo muito
importante, não só pelo alimento e sim por todo o significado envolto nela,
pois demonstra a capacidade e destreza dos caçadores. Sendo que a carne é muito
importante para a realização de alguns rituais. Um fato muito triste que está
ocorrendo a muitas décadas é a degradação ambiental causada pela criação de
gado, diminuindo drasticamente as caças da região, o que afeta diretamente na
realização dos rituais que exigem muitas caças, como o casamento, em
decorrência das terras cada vez menores, para a subsistência dessas tribos eles
acabam tendo que invadir áreas de fazendeiros, o que sempre termina em grandes
conflitos.
Apesar de todo esforço para manter as
tradições o contato com os não-indígenas desordenou muito o modo de vida dos
Xavante, algumas iniciativas governamentais tentavam de várias maneiras induzir
a criação de gado e o plantio de diversas culturas, fazendo com que cada vez
mais existisse uma grande dependência em relação a FUNAI, o que de certo modo
contribui para que hoje em dia muitos Xavante conseguissem bons empregos nessa
organização, tanto nas terras deles como em Brasília.
O projeto Xavante
O governo tentando
diminuir a pressão exercida pelos líderes indígenas resolveu fazer um projeto
que visava o estabelecimento da rizicultura mecanizada nas terras Xavante, para
demonstrar o grande potencial econômico que eles poderiam ter, mas o tiro
acabou siando pela culatra. O objetivo era tirar os líderes indígenas de
Brasília lhes dando um meio de subsistência, mas esse projetou acabou gerando
mais confusão e ainda mais dependência pelo fato de desequilibrar ainda mais o
modo de vida já desordenado deles. Em meados dos anos 80 a mídia fez diversas
matérias em relação a esse fato e passou uma imagem muito negativa do Xavante
para o restante da população do país. Depois de algum tempo e fracasso evidente
o projeto foi abandonado e ainda hoje algumas tribos tentam resgatar o plantio
e cultivo saudável que antes faziam.
Saúde
A taxa de natalidade
do povo Xavante é relativamente alta mas de contra partida as mortes infantis
também são altas, apenas 86% das crianças conseguem chegar aos 10 anos, existem
muitas doenças gastrointestinais que afetam esse povo, seja pela falta de
estruturas básicas de saúde pública ou pelos próprios agrotóxicos utilizados na
região que acabam chegando nas fontes de água utilizadas. O acúmulo de lixo e
excrementos é um grande problema que os aflige, deixada a condição de
semi-nômades que tinham para o sedentarismo, muitos detritos que antes não
chegavam a ser prejudiciais hoje interferem e muito na saúde e limpeza
habitacional, sem contar o fato que os novos matérias incluídos nas aldeias,
como os derivados de plástico, as pilhas, são objetos que não se decompõe
facilmente como os orgânicos que eram utilizados anteriormente.
Além disso tem o
fato de toda a tentativa de infraestrutura feita pela FUNAI que mudou
drasticamente e os hábitos alimentares dos Xavante, trazendo assim doenças que
anteriormente não eram conhecidas, um exemplo disso é a anemia. Outra doença
muito preocupante é a diabete, pois hoje em dia o contato com o açúcar refinado
é muito grande, como se isso tudo ainda não fosse suficiente, existe o grande
problema do alcoolismo entre as aldeias que moram próximas da cidade, fato que
ocorre devido as grandes tensões sofridas por esse e diversos outros povos
indígenas.
O acesso a saúde que
antes era responsabilidade da FUNAI hoje é exercido pela FUNASA, o que não
ajudou em nada a melhorar a situação. Alguns postos de saúde foram criados mas
os profissionais que exercem as atividades, muitas vezes são mal treinados e
mal equipados, tornando difícil a assistência mais aprofundada, quando o caso é
muito sério e é preciso ir nos postos de saúde da cidade, os índios sofrem
preconceito pelos funcionários que não foram treinados nem tem sensibilidade
para tratar os povos indígenas, ficando assim difícil o contato entre eles,
pois os indígenas muitas vezes preferem ficar com os tratamentos que tem do que
sofrer o preconceito da população em geral.
Organização Social e Cerimônias
Organização Social
Como em outros
pertencentes da família Jê, os Xavante tem um sistema binário, ou seja, são
divididos em duas partes que se cruzam e se completam. Um exemplo disso é a
organização matrimonial, existem os poriza’õno e öwawe, que são classificados
de acordo com a descendência patrilinear (descendência a partir do pai), sendo
que só podem casar se for com o integrante do outro grupo ou metade.
Um outro exemplo é a
classificação de idade deles, que é feita de dois grupos binários principais,
sendo que cada grupo é composto por mais 4 sub grupos, somando assim a
existência de oito grupos de idades, que são chamadas de metades agâmicas (sem
diferenciação sexual), sendo compostos por pessoas com idades semelhantes. O
ciclo de idade é feito por uma sucessão no tempo, ou seja, cada geração de
wapté estará em um subgrupo das metades agâmicas, se uma geração foi Hötötã a
próxima será Tirówa, não sendo feito na mesma metade agâmica e sim alternando
entre elas. É válido lembrar que esse ciclo de idade vária também entre duas
grandes aldeias que tem semelhanças entre si, denominadas Xavante Ocidentais e
Xavante Orientais. Para melhor
entendimento das informações irei utilizar uma tabela que distingue as sutis
diferenças entre esses dois grupos:
Como podemos
reparar, apenas a segunda parte (Metade agama 2) sofre mudança entre eles. Como
dito acima as flechas demonstram a alternância entre uma metade e outra, sendo
que esse ciclo pode durar até 40 anos. Diferente dos meninos que iremos abordar
mais abaixo, as meninas passam as suas mudanças de idade em casa, sem precisar
se distanciar da família e são consideradas adultas assim que dão a luz ao seu
primeiro filho.
A primeira
classificação que os meninos recebem é por volta de 7 a 10 anos, quando são chamados
de wapté (pré-iniciados) e são deslocados a Hö (Casa dos Solteiros) passando
até no máximo cinco anos nesse local, é nesse tempo que são ensinados os
deveres dos homens por padrinhos que devem ser da mesma classe agâmica que os
apadrinhados. Após esse período é feita uma cerimônia que culmina no ritual de
perfuração de orelha, tornando os jovens em adultos pré-iniciados.
Ao chegar na vida
adulta, tanto os meninos como as meninas passam por 4 fases:
- Iniciados recentemente(´ritai´wa);
- Jovens adultos (Ipredupté ou Da-ñohui´wa);
- Adultos maduros (Iprédu) e
- Velhos (Ihí)
Depois que morrem
são chamados de Hoimana´u´ö, que são os ancestrais, eles podem renascer
continuadamente.
Pra não restar nenhuma dúvida em relação a
essa classificação, vale ressaltar que os primeiros 8 grupos, divididos nas
metades ágamas, são as classes de idade e dentro de cada uma dessas classes
teremos as categorias que vai de Wapté até Ihí.
Os dois grupos
exógamos (o matrimonio feito a partir da patrialidade) e essas metades agâmicas
são a base da vida social do povo Xavante.
Cerimônias
Wai´a (O Segredo dos
homens): É a única cerimônia que apenas os homens participam. Nela são
feitas mais divisões de agrupamentos, além das quais já lemos um pouco acima, o
contexto em si é o repasse de conhecimentos sobrenaturais, sobre vida/morte,
bem/mal, doença/cura.
Cerimonial do Wai´á. Foto: Rosa Gauditano |
Oi´o´: É a
primeira cerimônia pública que os meninos participam, é feita desde quando eles
já conseguem segurar as clavas até a idade de irem para a Hö. Consiste em lutas
travadas entre garotos de patrialidades diferentes, tendo em vista demonstrar a
força e resistência física de cada um, algo que é muito importante em uma
sociedade que vive da caça e coleta.
Cerimonial do Oi´ó. Foto: Rosa Gauditano |
Wa´i e Uiwede (Lutas corporais e corrida de tora): São cerimônias muito apreciadas, assim como no Oi´o´ a demonstração de força e resistência física são muito importantes aqui. A rivalidade entre as metades ágamas e exógamas é forte, a diferença aqui está mais entre as lutas e as corridas em si. Na luta existe as rivalidades tanto entre as metades ágamas quanto nas exógamas, enquanto na corrida de tora a rivalidade é apenas entre as partes ágamas. Na luta meninos e meninas reagem a troças de um homem, no caso dos meninos eles enfrentam esse homem sozinhos, as meninas pela desvantagem enfrentam o homem em grupo. Esse homem sempre será participante de uma classe acima dos adversários mirins. Na corrida os grupos são feitos por participantes do mesmo sexo e apenas os adultos tem a permissão de participar, o trecho fica entre 6 e 8 quilômetros, o peso das toras de buriti variam entre homens e mulheres, ficando aproximadamente 80 e 60 quilos respectivamente. A corrida de toras é sem dúvida a atividade favorita dos Xavante
Corrida de Toras. Revista Manchete |
Da-nõ’re (Performance
coletiva de canto e dança): É uma cerimônia tipicamente masculina, mesmo
tendo a participação das mulheres em algumas ocasiões. É a mais importante
cerimônia pública feita pelos Xavante, nela são criados fortes laços emocionais
em quem participa. É aqui que ocorre o ponto alto de iniciação dos homens, com
a cerimônia de perfuração de orelha, onde eles ganham brincos que os ajudam
durante os sonhos a ter contato com os ancestrais. Uma parte da cerimônia é
feita com homens e mulheres dançando e cantando juntos. Na parte da cerimônia
feminina elas não ganham esses brincos, tornando-se impossibilitadas de sonhar,
raros sãos os casos de mulheres que conseguem contato com os ancestrais.
Da-ño're: perfomance coletiva de canto e dança. Revista Manchete |
Adaba (Celebração do
Casamento): As celebrações de casamento são feitas após um certo tempo que
o casal já mora junto, quando estão estáveis. Consiste na troca de alimentos
durante dos dias para representar as contribuições do homem e da mulher para o
matrimônio. Após o casamento o homem Xavante vai morar na casa do sogro.
Outras cerimônias: Futebol e Nominação
Vídeos:
Fonte de Informações:
Xavante
Outras cerimônias: Futebol e Nominação
Indico para quem quiser saber melhor acessar esse link, que
terá mais informações sobre as cerimônias e organização social,
a parte de Nominação Xavante é complicada, por isso indico estudarem a fundo,
não somente nesse link que passei como em outras fontes.
O Xavante na Política
Desde muito cedo o Xavante teve que ter
contato com a política, tanto para manter a sua terra como pra tentar
readquirir as que foram tomadas pelos agropecuários. Passada a confusão do
primeiro contato com os não-índios, os Xavante com toda a criatividade e a
proximidade de Brasília conseguiram pressionar o governo em busca dos direitos
que lhes pertenciam. Um grande e conhecido líder Xavante que conseguiu chegar a
esfera pública foi Mário Juruna, que utilizando de vários utensílios, como
gravadores, conseguia expor as mentiras e corrupções dos funcionários públicos
de alto escalão. Em paralelo diversos líderes indígenas Xavante lutavam nas
questões territorialistas.
A partir da década
de 80, com as mudanças na Constituição brasileira, Xavantes começaram a criar associações
civis, para disseminar a cultura, conhecimento e ainda tentar conscientizar a
população em geral para as dificuldades que eles passam, além dos projetos com
cunho ambientais que são promovidos. Projetos como palestras em escolas e
vídeos no youtube são muito utilizados para o auxílio desses projetos.
Hoje quero
apresentar pra vocês um Xavante que está se candidatando as eleições de
Deputado Distrital em Brasília. O nome dele é Rafael Weree, nascido e criado em
aldeia Xavante, sendo um ótimo exemplo de pessoa que conhece as dificuldades
enfrentadas pelo seu povo, não só como espectador e pesquisador como é o nosso
caso e sim como membro integrante dessa população, que passou e passa por todas
as dificuldades impostas pelas precárias estruturas governamentais e pelos
poucos programas em benefício não só ao Xavante, mas como a todos os povos
indígenas. Em breve teremos entrevista exclusiva com ele no blog, retratando suas experiências e seu plano de governo:
Rafael Weree |
Número de Campanha Rafael Weree |
Vídeos:
"O governo nunca entregou nada de graça para
os indígenas. Quem aceitar as casas do governo vai seguir pagando até a
morte. E quem vai pagar essa dívida depois que a pessoa morreu? O
programa de casas que o governo esta apresentando vai acabar com a nossa
cultura."
Fonte de Informações:
Xavante
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